domingo, 17 de novembro de 2013

A Procura


A Procura
Final

“Criei-me com minha mãe; aos fins de semana, meu pai ia buscar-me para passear. Esses passeios ficaram cada vez mais raros; sem explicação, cessaram”.
“Já na faculdade, tive o primeiro namorado. Depois de um ano, casei-me. Acho que depois disso tu mesma fazes parte da história. Meu marido só pensava em trabalhar. Deixava-me sozinha por muito tempo. Sem ter o que fazer, um dia experimentei um gole do wisky que sobrara do copo dele; quando percebi, havia me tornado uma alcoólatra. Fiz da vida de minha filha um inferno, impondo-lhe tantas restrições”.
A velha senhora, com mais paciência ainda, já com lágrimas nos olhos, tentou aconselhá-la:
– Minha filha – falou enxugando-lhe o rosto com um lenço –, você tem uma semente no seu coração. Deixe-a crescer. A Palavra de Deus é perfeita, sem enganos. Muitas vezes as pessoas não a seguem, procuram andar por conta própria. Essas, podem até aparentar felicidade sem que sejam realmente felizes. Se seu pai abandonou o lar, não foi porque a Palavra de Deus estivesse errada, mas sim, ele próprio errou. Deus é fiel, não muda nunca, nos ama de verdade.
A patroa ficou pensativa por uns momentos. A criada prosseguiu:
– Veja só: quem passa pela rua vendo esta casa rica, imponente, pode imaginar que a tristeza fez aqui morada? Que faz parte da vida de seus donos? Pode sequer imaginar o tamanho da amargura que se instalou dominando os corações da senhora e do patrão?
A mulher que atenta ouvia a criada, entregou-lhe a xícara de café que ainda tremulava em suas mãos. Ousou uma pergunta:
– Achas que minha vida ainda tem remédio?
A criada esboçou um leve sorriso. Compassadamente falou:
– Senhora, tenha certeza de que Jesus lhe ama. Para Ele nada é impossível. Basta a senhora crer de todo o seu coração, desejar que Ele seja o senhor de sua vida; tudo se resolverá.
– Quer dizer que se eu agora declarar Jesus como meu Senhor e salvador, minha filha voltará para casa, meu marido voltará a gostar de mim? Tudo se resolverá?
A criada sorriu com brandura. Consertou:
– Não é bem assim. Quando se aceita Jesus como Senhor e salvador, com toda sinceridade, o que modifica imediatamente é nosso interior, é nossa alma, é nossa maneira de ver as coisas. Tudo mais, Deus nos dará como acréscimo no devido tempo. Uma coisa a senhora terá de imediato: paz.
A mulher, ajeitando-se no sofá, argumentou:
– E meu pai que ia todo domingo para a igreja? Por que ele abandonou minha mãe?
– Quando se vai a uma igreja, seja qual for, não significa que estejamos livres de tentações. Não é a igreja que nos salva, mas sim o Senhor Jesus, que, aliás, deu sua vida na cruz do calvário para a remissão de nossos pecados. Temos que orar para que não se caia em tentação. Talvez tenha faltado a seu pai oração sincera e sobrado encenação. Nem todos que vão à igreja serão salvos, mas sim aqueles que cumprirem os mandamentos de Deus.
A mulher conteve um pouco o choro e balbuciou:
– Eu queria mudar de vida... queria ter a paz que tu tens...falar com essa segurança... ser feliz como parece que és...
A criada deixou cair a lágrima que há muito prendia no olhar. Afagou os cabelos da patroa; prosseguiu:
– Sou realmente feliz... Sou feliz não pelo dinheiro ou pelo conforto que desfruto nesta casa. Sou feliz porque tenho Jesus no meu coração... Sou feliz porque sei que quando partir deste mundo, tenho já um lugar que meu Pai celestial preparou para mim. Todos podem gozar dessa felicidade.
A mulher, que estava sentada no sofá, caiu de joelhos no chão ao lado da criada; abraçando-a soluçou:
– Quero aceitar Jesus, quero mudar, quero viver, quero me libertar, quero logo.
As duas mulheres se abraçaram; choraram juntas por alguns instantes.
A criada sussurrou ao ouvido da patroa:
– Ore.
– Eu não sei orar... eu não sei orar – repetiu a patroa.
– Diga o que seu coração está sentindo agora que Jesus lhe ouve.
A mulher soltou os braços que repousavam na criada, levou as mãos ao peito, o rosto até o chão. Deixou explodir em palavras seu coração:
– Senhor Jesus, eu quero acreditar em ti. Tenho vivido muito longe da tua Palavra. Fiz muitas coisas erradas que certamente não te agradaram. Perdoa-me. Perdoa-me se ainda puderes me perdoar. Mas eu quero mudar, eu vou mudar. Sei que fui culpada por minha filha ter fugido de casa, mas cuida dela. Se ela não sabe nada de Ti, foi porque eu não sabia para ensinar. Cuida dela meu Deus, nem que ela não volte mais para mim. Vou procurar ser boa esposa. Vou procurar aprender como Tu queres que se viva para não te ofender de novo. E... e... eu te aceito realmente como senhor da minha vida daqui por diante.
A criada ergueu a patroa; juntas seguiram rumo ao quarto do casal.
A chuva estava fina quando o carro chegou à cabeceira de uma ponte que se debruçava sobre um rio. Um vento frio soprava forte. O homem indagou ao garoto:
– Achas que minha filha pode ter vindo para este lugar? Estou começando a me arrepender de ter-te dado ouvidos.
Os primeiros raios do sol começavam a afastar a neblina que cobria o lugar. A fumaça, ainda presente, impedia uma visão mais clara. Homem e garoto, de mãos dadas, iniciaram a pé a travessia da ponte. Ao longe, a silhueta de uma moça fez o coração do homem bater mais forte. A palidez, que como um raio cobriu seu rosto, deixou-o perplexo.
O menino parou junto. O homem fixou o olhar no vulto da mulher, tentando reconhecê-lo. Examinou bem a silhueta dos cabelos compridos, o formato do rosto que a penumbra escondia, mas o que lhe deu certeza de que era sua filha foi o sorriso do menino que estava ao seu lado. Quis correr em sua direção, mas a criança segurou-o com as duas mãos.
– Acho melhor esperar um pouco. Ela pode se assustar e pular da ponte.
Com a voz embargada o homem concordou, passando a escutar seu pequeno acompanhante:
– Senhor, espere um pouco. Ela está quieta. Vamos esperar, depois iremos com calma, isto se ela não vier até nós.
– Achas que ela nos verá? Não sei por que estou concordando contigo. És apenas uma criança. Outra coisa: como sabias que ela viria para cá?
O menino sorriu. Falou sussurrando:
– Posso lhe dizer uma coisa? O senhor gosta muito de sua filha. Ela lhe foi dada por Deus. Tomar conta bem dela para Deus isso é mordomia cristã. Lembra-se de que já falamos sobre isso?
O homem, intrigado, deixou escapar um sorriso quase sem querer; num gesto amigo passou a mão nos cabelos do garoto esfregando-os levemente. Arguiu:
– Quer dizer que temos que ser bons mordomos das coisas que Deus nos põe nas mãos?
O menino completou: “Inclusive de filhos. A melhor maneira de cuidar dos filhos é ensinar-lhes o caminho que leva a Deus... Aliás, só existe um.”
– E tu, que vives nas ruas? Onde está teu pai? Ele é um bom mordomo para Deus?
O menino sorriu outra vez e explicou:
– Eu, mesmo na rua, sou feliz. Conheço meu pai que está no céu. Não é riqueza que faz alguém feliz. O senhor, sua família, com tudo que possuem, são felizes?
O homem, que não tirava os olhos da filha, retrucou:
– Tens razão. Não somos felizes. Gosto muito da minha mulher, da minha filha, mas acho que errei em relação a elas. Como dizes, não fui bom mordomo. Quem me dera poder voltar atrás; começar tudo de novo.
– Voltar atrás não é possível, mas começar tudo de novo... sim, é só querer.
– Quem te ensinou as coisas que sabes a respeito de Deus? Eu queria ter a certeza que tens quando falas delas.
A moça começou a andar em direção ao pai. O vento sacudia seus cabelos desalinhados. Os passos eram lentos, hesitantes. O homem quis andar em sua direção, mas não teve coragem. Limitou-se a esperar. Num curto instante de tempo pai e filha ficaram frente a frente. Não houve palavras. Apenas um abraço apertado selou o reencontro.
Os três entraram no carro; o abraço entre pai e filha se estreitou mais no coração, tendo como testemunhas as lágrimas que ambos derramaram.
O portão automático da casa se abriu dando passagem para o luxuoso carro, que silenciosamente atravessou o jardim refugiando-se na garagem.
Ainda molhados pela chuva que os acompanhou por toda jornada, chegaram até a sala. Olhares entre mãe e filha se cruzaram. Outro abraço longo, outras lágrimas... desta vez o amor cercava a família inteira.
O homem pediu à criada, que estava ainda junto a patroa, que cuidasse do menino, e que lhe desse roupas secas; quando eles se afastaram, falou:
– Hoje, aprendi com um menino que não conheço que existem coisas mais importantes que dinheiro. Vou mudar meu modo de vida, dar mais atenção para vocês. Espero que me perdoem por todos estes anos.
A mãe, entre soluços, pedia perdão à família, quando a filha interrompeu:
– Desculpem, mas tenho muita coisa para dizer para vocês, – e pausadamente, entre soluços, confessou: Eu fugi de casa porque queria morrer. Estou grávida. Sabia que vocês não aceitariam esse fato. Fui até a ponte para acabar com minha vida. Já ia pôr fim a tudo quando ouvi uma voz que parecia brotar do meu próprio coração. Essa voz era desse menino, que não sei como apareceu depois ali com o papai.
Uma vez ele me disse que Jesus me amava, que salvaria minha família se ela procurasse a Deus. Eu lhe dava comida quando ele aparecia no jardim de casa. Por muitas vezes conversamos. Sempre me sentia bem ouvindo o que ele dizia. Não sei o que farão vocês, agora, mas espero que me perdoem.
Os pais levaram a filha para o quarto a fim de que ela trocasse de roupa. Havia harmonia de perdão e paz, depois de muito tempo nessa família.
Reunidos à mesa para comemorar o reencontro, pediram à criada que fossem chamar o menino para compartilhar da alegria que sentiam naquele momento.
– Senhor – adiantou a criada –, ainda há pouco fui ver se ele estava precisando alguma coisa e só achei no quarto as roupas que o senhor lhe emprestou. As dele sumiram.
Quem passasse por aquela rua, naquele momento, poderia ver a silhueta de um menino magrinho, vestindo trapos, descalço, mas que certamente levava amor e felicidade para todos aqueles que cruzassem seu caminho.
Pr. Ajorge

ajorgefs@gmail.com

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