I Sm 17:41-58
O
vento passeava livre entre os soldados do exército de Israel que, abarracados
em um monte, preparavam-se para batalha. A expectativa entre os guerreiros
mostrava, claramente, a desesperança reinante. Pairava no ar uma sensação de
derrota, De quase pânico.
Não
muito distante, em outra montanha, o esquadrão filisteu assentara acampamento.
A brisa fria, que o acarinhava, espalhava um sentimento de desprezo e
desrespeito pelos iminentes opositores. Acreditava, o exército filisteu, na
vitória; ansiava pelos despojos de uma guerra que prejulgava vencida.
Entre
os exércitos havia um vale.
Saul,
rei dos israelitas, apesar de ser homem forte, de grande estatura, que se
destacava entre os soldados dos ombros para cima, não tinha como esconder o
temor que se lhe aninhara no rosto. A coroa de ouro, incrustada de pedras
preciosas, não impunha a serenidade e muito menos a autoridade de que precisava
naquele momento.
A
vegetação rasteira dos montes ainda estava encoberta pelo orvalho da noite
quando um homem, de quase três metros de altura, envergando pesada armadura de
guerra, desceu ao vale. Aproximando-se do exército de Israel, vociferava
insultos e desafios.
“Para que saís formando-vos em linha de
batalha? Não sou eu filisteu, e vós, servos de Saul? Escolhei entre vós um
homem que desça contra mim”.
Aquele
guerreiro propunha um duelo, artifício por vezes usado entre dois exércitos que
se defrontariam. Cada um escolhia um campeão de lutas para uma disputa até a
morte. O povo do soldado perdedor tornava-se escravo do vencedor.
Eu estava lá. Vi quando Davi, um jovem
ruivo, pastor de ovelhas, chegou, trazendo para seus três irmãos, combatentes
de Saul, um punhado de pães e queijo enviados por seu pai, Jessé.
Os
berros proferidos pelo guerreiro gigante, incomodavam, intimidavam cada vez
mais os israelitas. Olhando do alto do monte para o desafiante, Davi perguntou
a um compatriota:
Quem é esse incircunciso filisteu para afrontar o exército do Deus vivo?
Percebi
algo diferente na face daquele rapaz. Não apresentava as marcas do medo que
desfiguram pessoas. Senti que, naquele peito ardente, batia um coração temente
a Deus.
O
soldado levou a mão à cintura, segurou no cabo da espada como que quisesse se
certificar de que ainda estiva lá. Baixando a cabeça, respondeu demonstrando
fraqueza e temor:
O nome dele é Golias... Há quarenta dias, quando nasce o sol e ao entardecer,
ele nos afronta. O rei Saul já prometeu a filha em casamento, dar grandes
riquezas e liberar os impostos da família daquele que o derrotar. Mesmo assim,
ninguém ousa enfrentá-lo.
Davi
olhou para o vale. Viu a imagem do campeão gigante que aterrorizava os homens
de Israel.
Os
raios do sol que resvalavam em seu capacete de bronze deixavam reluzentes as
escamas da pesada couraça que lhe cobria o peito. Entre os ombros sustentava um
dardo do mesmo bronze polido usado nas caneleiras que lhe cobriam as alongadas
pernas. A lança, cuja haste lembrava o eixo de um tecelão, sustentando pesada
ponta de ferro, completava a armadura que todos julgavam inviolável.
Agitou-se
o coração de Davi. Lembrou-se de como Deus o ajudara a matar um leão e um urso
quando pastoreava as ovelhas de seu pai. Acreditou que o SENHOR também o
ajudaria a vencer aquele desafio.
Sem
opção, Saul, sabedor de que um jovem dispusera-se a aceitar o duelo com o
filisteu, chamou-o. Queria vesti-lo com sua própria armadura. Davi não
conseguiu dar nenhum passo com ela. Era muito pesada para ele. Devolveu-a.
O jovem
pastor desceu ao vale. Golias estava lá.
Protegido
por um arbusto vi quando os dois se aproximaram um do outro. O gigante divisou
em Davi um oponente fraco, já vencido, que seria morto facilmente. Como, sem
armadura, sem espada, alguém poderia feri-lo de morte? Amaldiçoando-o, tentando
intimidá-lo, esbravejou:
Vou
dar tua carne às bestas-feras do campo e às aves do céu.
Davi,
andando com passos lentos, olhando nos olhos de Golias, mas com os pensamentos
voltados a Deus em oração, replicou:
“Tu vens contra mim com espada, e com lança,
e com escudo; eu porém, vou contra ti em nome do SENHOR DOS EXÉRCITOS, o DEUS
dos exércitos de Israel, a quem tens afrontado”.
O
gigante esboçou um sorriso audaz. Adiantou-se para a luta.
Davi,
sem aumentar o ritmo dos passos, levou a mão ao alforje, escolheu uma pedra,
colocou-a na funda e a arremessou. Ferido, com a pedra cravada na testa, o
filisteu caiu de rosto no chão. Ainda sem alterar a cadência dos passos, Davi
chegou até ele e cortou-lhe a cabeça com sua própria espada.
Um
alarido de júbilo ecoou pelo vale. Diante da vitória, os israelitas saíram em
perseguição aos filisteus que, sem entender como o seu campeão gigante fora
derrotado, fugiram espavoridos.
À
sombra daquela pequena árvore, presenciei a primeira grande vitória de Davi. O
que levou o pequeno pastor a essa grande conquista? Muitas respostas, como
fumaça carregada pelo vento, passaram pela minha mente.
Davi
teve a oportunidade de escolha. Poderia não ter entregue o alimento aos irmãos,
buscado o exército dos filisteus ou mesmo ficar no vale entre os desafetos.
Optou
por obedecer ao pai. Escolheu o melhor lugar, juntou-se ao EXÉRCITO DO SENHOR.
Quantos de nós fazemos a escolha errada! Preferimos o lado que aparentemente já
ganhou a batalha que ainda nem começou. Outros, pior ainda... Por covardia, por
medo de decidir, ficam no vale entre os adversários.
Davi
não se intimidou com as ameaças de Golias. Não se acovardou. Não viu naquele
gigante um problema sem solução. Com sabedoria, não usou a armadura do homem
Saul. Recobriu-se de fé. Atirou a pedra, mas creu que ela seria guiada pelo
Senhor. Lutou contra o inimigo em
nome do SENHOR DOS EXÉRCITOS.
Fui
testemunha da queda do gigante. Vi sua expressão de espanto. Presenciei quando
apagou-se o brilho de seus olhos. Humilhado, rosto na terra acabou como tantos
outros que escolhem o exército errado.
Estou
de volta. A mesma batalha se repete todos os dias em nosso tempo. Diariamente
temos que tomar decisões. Já vi muitos “davis” de hoje vencerem vários “golias”
que aos berros se apresentaram em nossas vidas. Infelizmente, também presenciei
centenas de derrotados, caídos à beira do caminho, porque não permitiram que
Deus guiasse suas pedras... Para qual exército entregaste os pães que teu pai
te deu?
Pr.
Ajorge