segunda-feira, 11 de março de 2013

A cura de Naamã



        Conheci Naamã de perto. General valoroso, comandante do exército do rei da Síria, herói de muitas guerras, destemido, jamais fugia da fúria dos combates. O SENHOR lhe concedera muitas vitórias.
         Não raramente, entre uma batalha e outra, eu o via deprimido, cabisbaixo, triste, procurando esconder-se de todos. O contraste entre o general em campanha e o homem fora das lutas, sem a armadura de guerra que o caracterizava, era insofismável. Entretanto, portava a doença mais temida da época: a lepra.
         Escondia cuidadosamente o fato, pois a lei obrigava aos portadores desse achaque que vivessem fora da cidade, isolados. O seu mal estava em um estágio que ainda lhe permitia a convivência com outras pessoas.
         Muitas vezes vi aquele homem isolar-se até da própria família, tentando diminuir ou talvez esconder sua vergonha. Quantos de nós, pensei, temos mistérios que não partilhamos com ninguém e os enterramos no mais íntimo de nossa alma? Segredos que não temos coragem de confessá-los nem para os amigos mais chegados? Poderíamos chamar a isso de Síndrome de Naamã?
         Entre os muitos despojos de guerras conquistados pelo general estava uma menina, trazida de Israel, para servir como escrava à esposa de Naamã. Essa criança, magra, rosto fino, dona de um único vestido, percebeu o sofrimento de seu senhor.
Embora sofresse por ter sido arrancada do seio da família, perdido a liberdade e a convivência dos amiguinhos de infância, resolveu ajudar. Tudo lhe fora roubado, menos a alegria de servir a um Deus que ensina a não guardar rancor nem ódio no coração. Aprendera a amar as pessoas mesmo que fossem inimigas. Inexplicavelmente era feliz.
         Carinhosamente, quando o dia amanhecia, a menina penteava a esposa de Naamã. As mãos pequenas, segurando um pente entalhado em prata pura, alinhavam aqueles cabelos longos, mui negros, untados com óleo aromático. Entre um afago e outro, confidenciou à sua senhora:
         ­ Na minha terra existe um profeta do Deus Altíssimo. Creio que se meu senhor estivesse diante dele, seria curado da lepra.
         Um sorriso alegre alindou o rosto da mulher. Sentiu naquelas palavras uma luz de esperança para o marido. Havia sinceridade na menina; de seu coração sobejavam fé, bondade e amor.
         Naamã obteve do seu senhor autorização para ir ter com o rei de Israel. Carregando em mulas ricos presentes, acompanhado de grande comitiva, deixou a Síria.
         As portas gigantescas do palácio de Israel, rangendo, se abriram. O general entregou nas mãos do próprio rei a carta que seu senhor escrevera. À medida que o monarca lia a missiva, um suor persistente brotava de sua testa e perdia-se rapidamente entre os pelos de sua barba.
         Amassando o pergaminho com as mãos, jogou-o para longe. Num relance rasgou suas vestes. Com o semblante descaído, externando grande preocupação, desabafou:
         ­ Como posso restituir a saúde de alguém? Posso dar vida a uma pessoa? Serei Deus por acaso? Como poderia eu curá-lo da lepra? O que pede esta carta é impossível que eu faça.
         Desesperado, aquele rei sabia que algumas coisas o homem pode fazer por si só, outras não. Sabia que o homem pode matar, mas não dar vida...
         Temeroso, passando as mãos pela cabeça, procurou razões para aquela mensagem: Talvez o rei da Síria esteja procurando uma desculpa para me atacar. Por que me pede que cure seu general?
         Eliseu, o profeta de Deus, ao qual a menina se referira, ao saber da impaciência e preocupação do rei, mandou-lhe um recado:
         ­ Deixa que esse homem venha até mim e saberá que em Israel existe um profeta.
         Eu estava lá. Acompanhei de longe a caravana de Naamã. Na curva de uma estrada poeirenta um casebre se escondia entre a vegetação. A fumaça que fugia displicente de uma velha chaminé denunciava a presença de alguém.
         A caravana parou.
         Antes que algum dos visitantes se manifestasse, Eliseu mandou um mensageiro a Naamã com uma ordem:
         ­ Vai, lava-te sete vezes no Jordão, e a tua carne será restaurada. Ficarás limpo.
         Como se fizesse parte daquela comitiva, aproximei-me de Naamã. Presenciei quando a expressão de esperança que acalentava no rosto deu lugar à máscara da decepção. Irritado, arrumou-se na sela do cavalo que montava, retesou as rédeas e extravasou resmungos de ira:
         ­ “Pensava eu que ele sairia a ter comigo, por-se-ia de pé, invocaria o nome do Senhor, seu Deus, moveria a mão sobre o lugar da lepra e restauraria o leproso”.
         E continuou com o desabafo:
         ­ Na minha terra não existem rios melhores e mais limpos que o Jordão? Não poderia banhar-me lá?
         Naamã estava acostumado às glórias. Havia sempre alguém a seus pés para reverenciá-lo. Recebia muitas e constantes honrarias que o faziam soberbo. O fantasma da lepra o aterrorizava, mas nem por isso se fazia humilde. Nunca ninguém o havia recebido de maneira tão fria nem o tratado como pessoa comum.
         Entendi, naquele momento, o proceder de Naamã. Precisava receber a libertação da lepra, mas queria que Deus o obedecesse; almejava que o milagre se realizasse em forma de um espetáculo produzido por ele mesmo. Não queria deixar que o SENHOR agisse a seu próprio modo.
         Quantas vezes atuamos como esse general? Quantas vezes exigimos que Deus nos conceda uma graça do modo como queremos, e não lhe damos liberdade para atuar, da sua própria maneira? Às vezes temos a presunção de querer mostrar ao SENHOR o que seria melhor para nós...
         Naamã deu a volta no cavalo. Intuía retornar quando um de seus oficiais, usando de bom senso, ponderou respeitosamente:
         ­ Meu pai, se o profeta te houvesse dito alguma coisa difícil, não o farias? Ele apenas te disse: lava-te e ficarás limpo.
         Pensativo, sem dizer palavra sequer, desfez o semblante de raiva. Dirigiu-se ao Jordão.
         A comitiva parou à beira do rio. As águas barrentas arrastavam na superfície algumas folhas caídas das muitas árvores que circundavam as margens.
         O general despiu-se de parte da indumentária. Caminhou rio adentro até que a água lhe chegou à cintura.
         Da margem observei seu primeiro mergulho. Ele agachou-se e quase no mesmo instante emergiu como que assustado. Olhou para seu próprio corpo. Nada acontecera. Na segunda imersão demorou-se um pouco mais.
         A expectativa foi muito grande por parte de todos quando Naamã imergiu pela sétima vez. Segundos depois, lentamente, colocou a cabeça fora d’água. A seguir, o pescoço, os ombros e os braços. Quem emergiu não foi mais o general de muitas batalhas, presunçoso, herói, mas um homem que aprendeu que só existe um Deus verdadeiro, um Deus de misericórdia, um Deus que perdoa e ama até o mais orgulhoso dos homens quando por Ele for reconhecido.
         Naamã não fez questão de vestir-se rapidamente, apesar do frio. Fez questão, sim, de mostrar a todos uma pele sem manchas, sem as feridas que o maltratavam e o consumiam.
         Parecia criança alegre quando, com sua comitiva, voltou para agradecer e presentear Eliseu.
         A última lição que aprendeu foi que Deus não se deixa comprar. O profeta não aceitou nenhum dos seus muitos presentes.
         Acompanhando a caravana de volta, ouvi Naamã reconhecer a soberania, a onipotência e a onisciência desse Deus maravilhoso ao qual servimos.
         Fiquei refletindo por muito tempo enquanto fazia o caminho de volta. Tirei uma conclusão: se Naamã houvesse mergulhado apenas seis vezes, e não sete, teria perdido a cura por muito pouco. Ele obedeceu integralmente à ordem dada por Deus através do profeta.
         O SENHOR tem bênçãos para cada um de nós, tenho certeza disso. Todos temos também, na vida, um rio Jordão... Quantas vezes nele já mergulhamos? Seis?
Pr. Ajorge

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