Conheci Naamã de
perto. General valoroso, comandante do exército do rei da Síria, herói de
muitas guerras, destemido, jamais fugia da fúria dos combates. O SENHOR lhe
concedera muitas vitórias.
Não raramente, entre uma batalha e
outra, eu o via deprimido, cabisbaixo, triste, procurando esconder-se de todos.
O contraste entre o general em campanha e o homem fora das lutas, sem a
armadura de guerra que o caracterizava, era insofismável. Entretanto, portava a
doença mais temida da época: a lepra.
Escondia cuidadosamente o fato, pois a
lei obrigava aos portadores desse achaque que vivessem fora da cidade,
isolados. O seu mal estava em um estágio que ainda lhe permitia a convivência
com outras pessoas.
Muitas vezes vi aquele homem isolar-se
até da própria família, tentando diminuir ou talvez esconder sua vergonha.
Quantos de nós, pensei, temos mistérios que não partilhamos com ninguém e os
enterramos no mais íntimo de nossa alma? Segredos que não temos coragem de
confessá-los nem para os amigos mais chegados? Poderíamos chamar a isso de
Síndrome de Naamã?
Entre os muitos despojos de guerras
conquistados pelo general estava uma menina, trazida de Israel, para servir
como escrava à esposa de Naamã. Essa criança, magra, rosto fino, dona de um
único vestido, percebeu o sofrimento de seu senhor.
Embora sofresse por ter sido arrancada do seio da família, perdido a
liberdade e a convivência dos amiguinhos de infância, resolveu ajudar. Tudo lhe
fora roubado, menos a alegria de servir a um Deus que ensina a não guardar
rancor nem ódio no coração. Aprendera a amar as pessoas mesmo que fossem
inimigas. Inexplicavelmente era feliz.
Carinhosamente, quando o dia amanhecia,
a menina penteava a esposa de Naamã. As mãos pequenas, segurando um pente entalhado
em prata pura, alinhavam aqueles cabelos longos, mui negros, untados com óleo
aromático. Entre um afago e outro, confidenciou à sua senhora:
Na minha terra existe um profeta do
Deus Altíssimo. Creio que se meu senhor estivesse diante dele, seria curado da
lepra.
Um sorriso alegre alindou o rosto da
mulher. Sentiu naquelas palavras uma luz de esperança para o marido. Havia
sinceridade na menina; de seu coração sobejavam fé, bondade e amor.
Naamã obteve do seu senhor autorização
para ir ter com o rei de Israel. Carregando em mulas ricos presentes,
acompanhado de grande comitiva, deixou a Síria.
As portas gigantescas do palácio de
Israel, rangendo, se abriram. O general entregou nas mãos do próprio rei a
carta que seu senhor escrevera. À medida que o monarca lia a missiva, um suor
persistente brotava de sua testa e perdia-se rapidamente entre os pelos de sua
barba.
Amassando o pergaminho com as mãos,
jogou-o para longe. Num relance rasgou suas vestes. Com o semblante descaído,
externando grande preocupação, desabafou:
Como posso restituir a saúde de
alguém? Posso dar vida a uma pessoa? Serei Deus por acaso? Como poderia eu
curá-lo da lepra? O que pede esta carta é impossível que eu faça.
Desesperado, aquele rei sabia que
algumas coisas o homem pode fazer por si só, outras não. Sabia que o homem pode
matar, mas não dar vida...
Temeroso, passando as mãos pela cabeça,
procurou razões para aquela mensagem: Talvez o rei da Síria esteja procurando
uma desculpa para me atacar. Por que me pede que cure seu general?
Eliseu, o profeta de Deus, ao qual a
menina se referira, ao saber da impaciência e preocupação do rei, mandou-lhe um
recado:
Deixa que esse homem venha até mim e
saberá que em Israel existe um profeta.
Eu
estava lá. Acompanhei de longe a caravana de Naamã. Na curva de uma estrada
poeirenta um casebre se escondia entre a vegetação. A fumaça que fugia
displicente de uma velha chaminé denunciava a presença de alguém.
A caravana parou.
Antes que algum dos visitantes se
manifestasse, Eliseu mandou um mensageiro a Naamã com uma ordem:
Vai, lava-te sete vezes no Jordão, e
a tua carne será restaurada. Ficarás limpo.
Como se fizesse parte daquela comitiva,
aproximei-me de Naamã. Presenciei quando a expressão de esperança que
acalentava no rosto deu lugar à máscara da decepção. Irritado, arrumou-se na
sela do cavalo que montava, retesou as rédeas e extravasou resmungos de ira:
“Pensava
eu que ele sairia a ter comigo, por-se-ia de pé, invocaria o nome do Senhor,
seu Deus, moveria a mão sobre o lugar da lepra e restauraria o leproso”.
E continuou com o desabafo:
Na minha terra não existem rios
melhores e mais limpos que o Jordão? Não poderia banhar-me lá?
Naamã estava acostumado às glórias.
Havia sempre alguém a seus pés para reverenciá-lo. Recebia muitas e constantes
honrarias que o faziam soberbo. O fantasma da lepra o aterrorizava, mas nem por
isso se fazia humilde. Nunca ninguém o havia recebido de maneira tão fria nem o
tratado como pessoa comum.
Entendi, naquele momento, o proceder de
Naamã. Precisava receber a libertação da lepra, mas queria que Deus o
obedecesse; almejava que o milagre se realizasse em forma de um espetáculo
produzido por ele mesmo. Não queria deixar que o SENHOR agisse a seu próprio
modo.
Quantas vezes atuamos como esse
general? Quantas vezes exigimos que Deus nos conceda uma graça do modo como
queremos, e não lhe damos liberdade para atuar, da sua própria maneira? Às
vezes temos a presunção de querer mostrar ao SENHOR o que seria melhor para
nós...
Naamã deu a volta no cavalo. Intuía
retornar quando um de seus oficiais, usando de bom senso, ponderou
respeitosamente:
Meu pai, se o profeta te houvesse
dito alguma coisa difícil, não o farias? Ele apenas te disse: lava-te e ficarás
limpo.
Pensativo, sem dizer palavra sequer,
desfez o semblante de raiva. Dirigiu-se ao Jordão.
A comitiva parou à beira do rio. As
águas barrentas arrastavam na superfície algumas folhas caídas das muitas
árvores que circundavam as margens.
O general despiu-se de parte da indumentária.
Caminhou rio adentro até que a água lhe chegou à cintura.
Da margem observei seu primeiro
mergulho. Ele agachou-se e quase no mesmo instante emergiu como que assustado.
Olhou para seu próprio corpo. Nada acontecera. Na segunda imersão demorou-se um
pouco mais.
A expectativa foi muito grande por
parte de todos quando Naamã imergiu pela sétima vez. Segundos depois,
lentamente, colocou a cabeça fora d’água. A seguir, o pescoço, os ombros e os
braços. Quem emergiu não foi mais o general de muitas batalhas, presunçoso,
herói, mas um homem que aprendeu que só existe um Deus verdadeiro, um Deus de
misericórdia, um Deus que perdoa e ama até o mais orgulhoso dos homens quando
por Ele for reconhecido.
Naamã não fez questão de vestir-se
rapidamente, apesar do frio. Fez questão, sim, de mostrar a todos uma pele sem
manchas, sem as feridas que o maltratavam e o consumiam.
Parecia criança alegre quando, com sua
comitiva, voltou para agradecer e presentear Eliseu.
A última lição que aprendeu foi que
Deus não se deixa comprar. O profeta não aceitou nenhum dos seus muitos
presentes.
Acompanhando a caravana de volta, ouvi
Naamã reconhecer a soberania, a onipotência e a onisciência desse Deus
maravilhoso ao qual servimos.
Fiquei refletindo por muito tempo enquanto
fazia o caminho de volta. Tirei uma conclusão: se Naamã houvesse mergulhado
apenas seis vezes, e não sete, teria perdido a cura por muito pouco. Ele
obedeceu integralmente à ordem dada por Deus através do profeta.
O SENHOR tem bênçãos para cada um de
nós, tenho certeza disso. Todos temos também, na vida, um rio Jordão... Quantas
vezes nele já mergulhamos? Seis?
Pr.
Ajorge
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