segunda-feira, 29 de abril de 2013

Decepção




             Era cedo quando saí de casa. Entrei no carro. Um hino da Harpa Cristã servia de fundo à oração que sempre faço ao sair para o trabalho. Pedi proteção a Deus não só para mim, mas também para meus colegas anestesiologistas.
         Entrei no hospital após deixar minha filha no colégio. No vestiário, cumprimentos apressados. O movimento prometia ser grande.
         Na sala de cirurgia uma criança de poucos meses, nos braços de uma atendente, esperava para a correção de uma hérnia umbilical. Enquanto preparava o material para iniciar a anestesia, uma auxiliar de enfermagem aproximou-se e perguntou-me:
         – Doutor, o senhor tem aí um Novo Testamento, daqueles pequenos?
         Confesso que fiquei feliz com aquela pergunta. Afinal de contas, falo constantemente de Jesus por aonde vou, e sempre que posso, faço doações de Novos Testamentos, que consigo com alguns amigos Gideões.
         Respondi àquela pergunta na alegria de saber que alguém estava se interessando pela Palavra de Deus:
         – Infelizmente não tenho aqui comigo. É para dar para alguém? Se for para consultar alguma coisa, tenho aqui minha Bíblia, se não, posso trazer outro dia.
         Ela sorriu um tanto sem jeito e explicou:
         – Sabe o que é doutor: eu queria ver se minha colega da farmácia tem vista boa. As letras daqueles livros são pequenas e eu queria fazer um teste; ela anda trocando os nomes dos remédios.
         Uma tristeza abrupta apoderou-se de mim, vestindo a máscara da decepção. O cirurgião que estava ao lado, percebendo a minha frustação, exibiu um sorriso irônico caçoando da situação.
         Iniciei a anestesia da criança. Durante todo ato cirúrgico fiquei refletindo:
         Quando é que as pessoas vão entender que a Bíblia é a própria Palavra de Deus? Quando é que vão aprender a usá-la de maneira correta?
         Infelizmente, alguns usam a Bíblia como se fosse um amuleto, para dar “sorte”. Outros, compram Bíblias grandes e bonitas e as mantêm expostas, abertas, em algum lugar de destaque nas casas, apenas para enfeitar ambientes. Outros a usam para abri-la ao acaso, em uma página qualquer, buscando satisfazer a curiosidade acerca de algum assunto, procurando apenas uma orientação momentânea e fantasiosa. E agora, usar a Bíblia para “teste de vista”, isso é demais!
         No Livro Sagrado temos a Palavra de Deus. Temos o ensinamento deixado pelo Senhor dos Senhores. Devemos respeitá-Lo.
         Devemos usar a Bíblia para aprendermos o caminho da salvação, e conhecermos a grandiosidade do amor que Deus tem por seus filhos; entendermos assim porque Deus mandou seu filho unigênito para morrer por nossos pecados.
         Um dia, se lermos o Livro Santo com amor, veremos que ele não é difícil de entender como alguns maldosamente apregoam. A dificuldade encontrada nunca excederá à do teu discernimento se pedires sinceramente ajuda ao Espirito Santo de Deus. E quando fizeres isso, verás que no teu coração se acenderá uma chama de amor ao próximo que te levará bem próximo de Deus.

domingo, 21 de abril de 2013

Onde está teu Deus?



       O dia mal havia começado. Na mesa cirúrgica, um menino de dois meses precisa ser operado para corrigir uma hérnia epigástrica e outra inguinal. Cirurgias relativamente simples, mas que pela idade da criança, precisavam de certos cuidados em relação ao procedimento anestésico. Despercebida das coisas, aquela criança, muito branca, olhos claros, cabelos loiros e ralos, deixava escapar, no olhar inocente, a alegria de ser muito bem cuidada e amada pelos pais.
         O cirurgião e seu auxiliar entraram na sala. Acabavam de cumprir o ritual da lavagem das mãos que precede o ato operatório. Sem tocar em nada que os circundava, vestiram os capotes cirúrgicos e aproximam-se da criança já anestesiada.
– Podemos começar? – Indagou-me o cirurgião, cumprindo mais uma parte do ritual anestésico-cirúrgico.
Fiz um sinal de positivo com o polegar permitindo que o bisturi desvendasse segredos daquele corpo inocente. Passados alguns minutos, com um sorriso zombeteiro, o cirurgião dirigiu-me a palavra:
– Eu sei das tuas convicções religiosas, mas aqui para nós, de vez em quando, não dás uma fugidinha de casa com alguma garota bonita?
Não era a primeira vez que ele fazia esse tipo de provocação. Limitei-me a um sorriso. Ele insistiu:
– Vais dizer que resistes a todas as tentações? És santo por acaso?
A ironia com que disse essas palavras, fez com que toda equipe cirúrgica se pusesse a rir. Continuei em silêncio, concentrado nos sinais vitais do pequeno paciente. Aquele coraçãozinho havia aumentado a frequência dos batimentos e precisava de cuidados.
– Amigo, – retruquei após algum tempo – Se não fazes as coisas certas por amor a Deus, responde-me sinceramente, baseado apenas na razão. Vale à pena sair com uma garota bonita, correr o risco de contrair uma doença, contaminar a esposa, destruir a paz no lar e a felicidade dos filhos? Acho que só é válido isso – complementei enfático – quando se tem uma família que vale muito pouco.
O sorriso de galhofa desapareceu do ar. Cirurgião e auxiliar entreolharam-se talvez procurando uma resposta inexistente.
O silêncio voltou à sala de cirurgia. Fiquei meditando por algum tempo. Por que, quando servimos a Deus, a alegria que sentimos por servi-Lo incomoda outras pessoas? Por que, até mesmo fulanos inteligentes, privilegiados, procuram zombar, ridicularizar aqueles que se deleitam com o amor de Deus?
Algumas pessoas sentem-se como deuses ao abrirem com a lâmina pagã de um bisturi silente, o corpo sagrado de um ser que foi criado, como todos nós, à imagem e semelhança de Deus. Talvez, por “brincarem de deus” na tentativa de restituir a saúde a alguém, sintam a necessidade de serem bajuladas, ou quem sabe, também adoradas como pretenderam, outrora, alguns anjos que decaíram.
O amor do Deus verdadeiro traz felicidade. É um amor que completa e conforta. Onde está o deus que buscas para que sejas feliz? No teu trabalho? Na tua habilidade em manusear um bisturi? No teu comércio que aumenta tua conta bancária? Apenas nas tuas palavras que se perdem ao vento?
O Deus verdadeiro, esse que nos dá alegria ao servi-Lo, está em toda parte... Basta reconhecê-Lo como senhor absoluto de todas as coisas. Para amá-Lo verdadeiramente, devemos seguir simplesmente seus ensinamentos, seguir suas palavras que compõem a Bíblia.
A verdade é que o amor de Deus é grande o suficiente para fazer feliz a todos que o desejarem. É só buscar.
Pr. Antonio Jorge

segunda-feira, 15 de abril de 2013

Pedi e dar-se-vos-á




         Respirei aliviado após mais um dia de serviço. Troquei de roupa no vestiário do bloco cirúrgico. Eram 18:45h e eu estava de folga por toda a noite. Naquela sexta-feira queria aproveitar e cumprir a promessa que fizera à minha mulher: sairmos para jantar.
         O celular tocou. Era ela. Da mesma forma de sempre inquiriu:
         – Oi amor! Onde estás? Vais demorar muito?
         Honestamente, é sempre um prazer falar com minha esposa mesmo que seja pelo telefone. Feliz, respondi prontamente:
         – Oi amor! Não demoro nada. Estou saindo. Chegando em casa tomo um banho e sairemos em seguida. Já desististe de jantar comigo?
         O sorriso do outro lado da linha revelou um certo ar de ironia e incredulidade. Nessa mesma semana esse jantar já havia sido adiado pelo menos por duas vezes, e sempre pelo mesmo motivo: trabalho.
         Entrei no carro, apertei o sinto de segurança no peito e, com muito cuidado iniciei o caminho de volta para casa. Não gostaria que nada atrapalhasse meus planos. Queria chegar logo. A música evangélica que fluía do rádio ajudava a aliviar o estresse do dia.
         Já quase chegando, o celular toca. Instintivamente, atendo. Não era a voz que eu gostaria de ouvir.
         – Doutor, será que dá para o senhor vir aqui no hospital, agora? É um caso grave e urgente.
         Era a telefonista de um hospital infantil. Deu-me o nome de um cirurgião e pediu-me que fizesse contato com ele.
         Quando entrei em casa sem o sorriso de quem vai sair para se divertir, minha esposa perguntou:
       Que foi desta vez?
– Uma emergência, – respondi quase sem jeito. – O colega anestesiologista de plantão está trabalhando e tem uma criança passando mal. Já falei com o cirurgião. Ele adiantou que o caso é muito grave. Não pode esperar. Vou ter que voltar para o hospital agora mesmo. Ora por mim.
Tomei um copo de suco, dei-lhe um beijo, e, com um pedido de desculpas, saí apressado.
Antes de entrar no bloco cirúrgico fui à enfermaria ver o pequeno paciente que seria operado. Como profissional, acostumado a trabalhar com crianças, e algumas bem graves, confesso que fiquei apreensivo. Como ser humano não pude evitar que meu coração fosse visitado por um sentimento de revolta, de angústia e incredulidade. Como aquela criança pôde chegar àquele estado?
         Aproximei-me para um exame mais detalhado. Os cabelos muito negros e abundantes emolduravam um rostinho moreno, descorado, caquético. Os olhos também negros e sem brilho, afundados naquela face triste, procuravam, agitados, algo ou por alguém como que implorando silenciosamente por socorro. Uma blusa muito fina e pequena não conseguia esconder um abdome volumoso e distendido exibindo as consequências de uma paralisia intestinal que já se arrastava por alguns dias. As pernas magras e muito pequenas, entreabertas, deixavam à mostra uma porção considerável de intestino apodrecido que lhe saía pelo reto.
         Era quase impossível de acreditar que um menino de apenas sete meses de idade não houvesse morrido antes de chegar àquele estado.
         Informei à mãe que seria muito difícil que aquela criança voltasse com vida do bloco cirúrgico.
         Com o maior dos cuidados iniciei a anestesia. O sangramento foi maior do que o esperado quando o bisturi expôs a cavidade abdominal do pequeno paciente. Um suor gelado, sorrateiramente, insistia em molhar-me a face. O compasso acelerado do meu coração contrastava com os fracos batimentos do da criança. O sangue ministrado por uma veia dissecada parecia esgotar-se rapidamente.
         Apesar de todo o esforço, senti que aquela criança estava ficando cada vez mais fraca. Suas mãos começaram a cianosar, evidenciando que a circulação periférica estava cada vez mais comprometida. Como médico, fiz toda a medicação que o momento exigia. Como servo de Deus, coloquei-me diante dele em oração:
         “Senhor, entrego esta criança em tuas mãos. Faz a tua vontade. Sei que és Senhor da vida e da morte e só tu podes mantê-la viva. Eu te peço, Senhor, por esta vida para que mais tarde ela possa também Te reconhecer como Deus único e verdadeiro e proclame a glória do Teu santo nome.”
         Naquele instante, senti que o ritmo do meu próprio coração voltou ao normal e que minha testa deixou de fornecer suor gelado ao meu rosto. Senti a tranquilidade da presença de Deus.
         Creio sinceramente no poder da oração. Creio firmemente que a palavra de Deus é imutável e fiel. Está escrito: “pedi e dar-se-vos-á...
         A cirurgia arrastou-se por quase três horas. Ao término, quando retirei a sonda endotraqueal por onde o anestésico era ministrado, aquela criança voltou a respirar normalmente. Aqueles olhos negros e vigilantes abriram-se novamente, mas não como a procurar algo ou por alguém. É bem provável que eles tenham encontrado, durante o sono anestésico, as mãos e a guarida do Senhor nosso Deus.
         Com a cirurgia foi removida boa parte do intestino grosso do pequeno paciente, mas tenho certeza de que todos os que viram e que ainda o veem vivo e esperto, vão poder falar e comprovar que o Deus ao qual servimos com amor, tem muito mais poder e amor para nos dar.
Pr. Antonio Jorge

segunda-feira, 1 de abril de 2013

Conversando com Deus



             Duas horas da manhã. Termina mais um parto cesariano. O cansaço inevitável aos poucos toma conta de mim. Tento resistir. Um sorriso rápido de contentamento alentou-me quando o obstetra referiu que não havia mais nenhuma cirurgia programada. Desci a rampa que conduz ao quarto de repouso dos médicos.
         O ruído do ar condicionado insinua-se como cantiga de ninar. Em poucos minutos o sono envolveu-me junto com a escuridão do ambiente.
         Algum tempo depois a porta do quarto rangeu. Acordo e permaneço imóvel. O vulto de uma auxiliar de enfermagem, procurando orientar-se entre as várias camas enfileiradas, caminha em minha direção.
         – Doutor... doutor... –, falou sussurrando tentando abafar a voz para não acordar os outros médicos –, estão chamando no bloco cirúrgico!
         Tentando controlar o sono e a fadiga, abro lentamente os olhos no afã de raciocinar. Uma réstia de luz oportuna invade o recinto através da porta deixada entreaberta. Na penumbra, consigo distinguir os ponteiros do relógio de pulso marcando duas e trinta.
         Sentei-me devagar na cama. Tateando com os pés, encontro os sapatos no chão. Calço-os desajeitadamente. A mesma rampa que me conduziu ao quarto trinta minutos atrás pareceu-me mais longa e sinuosa como caminho de volta.
         No bloco cirúrgico, o obstetra aproximou-se de mim, e tentando justificar o chamado, falou:
         – Esta paciente chegou agora mesmo, é necessário intervir.
         Na mesa obstétrica estava deitada uma moça aparentando de quinze para dezesseis anos. A cabeça, muito pequena, caracterizava uma microcefalia acentuada. Os cabelos longos, negros e grossos que brotavam desde o meio da testa, davam a impressão de um rosto ainda menor. As mãos recurvadas sobre os punhos escondiam dedos retorcidos e delimitados por longas unhas encurvadas e sujas. As pernas, atrofiadas e mal formadas, mantinham-se retesadas e espásticas sobre seu abdome.
         Num relance, percebi naquela face maltratada, um olhar angustiado, sofrido e alienado de qualquer parâmetro. O sangue que fluía com abundância de sua genitália, impunha uma intervenção médica imediata.
             O cirurgião olhou-me nos olhos e relatou o fato:
         – Essa paciente tem dezesseis anos, é muda, surda e deficiente mental. Alguém, provavelmente um parente próximo, a estuprou. A família conseguiu na justiça que ela fizesse um aborto “legalmente”, só que o processo demorou para ser julgado. Ontem, alguém administrou-lhe uma droga abortiva e hoje expeliu um feto de seis meses que nasceu vivo e morreu horas após. Esse sangramento é devido a restos de placenta que ficaram retidos em seu útero. Precisamos coibir essa hemorragia.
         Diante da narrativa o cansaço e o sono sumiram. Deram lugar a uma imensa tristeza que me fez refletir e buscar, conversando com Deus, um alento. Orei:
         “Senhor, como pode o homem ser tão mesquinho, tão pequeno, tão miserável? Como pode o homem desrespeitar desse modo seu semelhante? O que tem no coração um ser que violenta sexualmente uma pessoa como esta? Isto é obra do próprio homem?
         Não sei, na verdade, quem foi mais covarde! O criminoso que a estuprou? O juiz que determinou o aborto legal? A pessoa que ministrou a droga abortiva? De uma coisa estou bem certo: quem menos teve culpa neste episódio pagou com a própria vida e foi a criança abortada!”
         Este fato fez-me lembrar da história de um homem que viveu entre nós há muito tempo, a quem nunca se pode imputar qualquer culpa e, mesmo assim foi condenado à morte. Ele curou cegos, coxos, paralíticos, limpou leprosos, e quando esbofeteado, ensinou-nos a oferecer a outra face; resgatou-nos do pecado e, erguido em um madeiro depois de insultado e humilhado, bradou a Deus , seu pai, pedindo perdão para seus algozes.
         A criança abortada pagou com a vida a covardia e crueldade de alguns homens. O Filho de Deus pagou com a vida pelos pecados de todos os homens e com isso nos resgatou e nos deu a possibilidade da salvação. O Filho de Deus morreu por amor infinito a nós. Como Ele se sente quando o ofendemos? Quando o desprezamos? Será que deste modo, não o estamos condenando e rejeitando também, da mesma forma como foi condenada e rejeitada aquela criança ?
                                                                                                                      Pr. Antonio Jorge