segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

O amor em Jesus



Estacionei o carro. Entrei apressadamente no hospital. A quantidade de pessoas que se amontoava pelo corredor que conduzia ao bloco cirúrgico, preconizava como seria o meu trabalho.
            Aquelas crianças, algumas com braços imobilizados por ataduras improvisadas, outras com curativos quase desfeitos, outras ainda demonstrando suas insatisfações através de um choro cadenciado, melancólico e insistente, aguardavam atendimento médico, porém no rosto de cada uma delas, transluzia a tristeza de estar em um lugar onde, com certeza, depois de uma longa espera, haviam enfrentado a grosseria, a falta de amor e principalmente a indiferença de muitos.
            Entrei na sala de cirurgia após cumprir o ritual de vestir roupas adequadas que incluem gorro e máscara, incômodos, porém necessários.
            O cirurgião aproximou-se, deu-me um abraço, e, em tom de brincadeira, falou:
            – Acho bom providenciarmos o almoço e provavelmente o jantar, pois a “casa está cheia”!
            O sorriso que fugiu-me do rosto foi compartilhado pela equipe cirúrgica. A enfermeira apressou-se em chamar o primeiro paciente a ser operado. Iniciamos o trabalho. Eram quase dez horas da manhã.
            Já próximo ao meio dia, os pequenos pacientes que entravam no bloco estavam mais inquietos, não só pelo estresse em saber que seriam operados, como também pelo jejum cada vez mais prolongado.
            Um choro forte, num repente, interrompe o silêncio. Um garoto de dez anos entra na sala de cirurgia tentando fugir da maca que o conduzia. Com os olhos vermelhos, face molhada por lágrimas abundantes, tentava chutar a enfermeira que o segurava. Os gritos e o desespero daquele menino, traduziam a insegurança que transbordavam-lhe na mente.
            Nenhuma palavra dita foi suficiente para convencê-lo de que estávamos ali para ajudá-lo e que, apenas uma cirurgia, evitaria que seu braço ficasse aleijado. Foi com dificuldade que iniciamos a anestesia.
            Após o procedimento cirúrgico, o menino foi mandado para enfermaria. Já passava das duas horas da tarde, e após um gole de café, pedimos para trazer o próximo paciente.
            A maca é reconduzida à sala de cirurgia. Desta vez, carrega um menino também de dez anos, e por coincidência para o mesmo tratamento cirúrgico. A diferença é que ele não está chorando. Sua tranquilidade chama a atenção de todos. Ele observa o foco central o qual fornece luz suficiente para iluminar o campo operatório, o soro pendurado no suporte, os aparelhos de anestesia e, disfarçadamente, puxa para sobre si a ponta do camisão que o deixava parcialmente descoberto. Com um sorriso, perguntou-me:
– É o senhor que vai me operar?
– Não, meu filho –, respondi– farei sua anestesia. Não tenha medo... você não vai sentir dor...
Quando puncionei-lhe uma veia, apenas franziu a testa e fechou os olhos. Um anestésico foi ministrado para tirar-lhe a consciência. Outro, próximo ao pescoço, deixou-lhe insensível o braço.
 Após uns quarenta minutos de cirurgia, o menino começou a recobrar a consciência. Abriu os olhos negros procurando reconhecer o ambiente, e tentando orientar-se murmurou:
– Já fui operado doutor? Onde estou?
Embora estivesse semiconsciente, não sentia dor por estar ainda sendo operado. O “bloqueio anestésico” feito próximo ao seu pescoço deixava-lhe o braço insensível.
  Quando me preparava mais uma vez para tirar-lhe a consciência, o menino começou a orar em voz alta:
– Jesus, abençoa todos os médicos do hospital. Eu quero ficar bom do meu braço. Ajuda todo mundo porque Tu és bom. Abençoa os médicos...
A pureza daquela oração balbuciada entre a lucidez e a inconsciência, revelou a abundância de Jesus naquele pequeno coração. A alegria que senti, e a paz que transbordou naquele momento, expulsaram de meus olhos a lágrima que tentei conter.
Faltou-me coragem para silenciá-lo quando, após orar, iniciou o canto de uma música evangélica muito conhecida: “Quero que valorize o que você tem...” Ficamos cantando juntos até que terminou a cirurgia.
          Quando aquela maca atravessou de volta a porta daquela sala de cirurgia, levando aquele menino humilde, magro e de braços finos, pensei no outro que o antecedeu. A diferença entre eles é que o primeiro não foi ensinado a confiar em Deus nos momentos difíceis.
                                                                                                                      Pr. AJorge

terça-feira, 22 de janeiro de 2013

A Vela


   Um velho homem levantou-se com dificuldades da cadeira de embalo repousada no canto de uma sala escura. Cambaleante, andou até um armário empoeirado, de portas altas, retirou dele uma vela de cera que guardara há tempos, e dirigiu-se com passos cautelosos e curtos, arrastando a inseparável sandália branca de couro desgastada, até a mesa solitária que lhe fazia companhia.
   O clarão de um fósforo riscado depois de algumas tentativas iluminou momentaneamente o ambiente. Acendeu a vela, prendeu-a cuidadosamente a um velho pires de bordos desgastados depois de lhe aquecer a base. O caminho de volta ao assento não foi tão penoso.
      Um pouco da luz tardia de um sol preguiçoso que se recolhia atravessava a janela entreaberta atrás da cadeira de balanço, irmanada com a brisa quente da tarde que se diluía com o início da noite.
  Sentado, o ancião fixou os olhos sempre protegidos pelos óculos, invariavelmente engordurados, na chama da vela que acendera há pouco.
     Reparou demoradamente naquela pequena luz que lutava por se estabelecer. Um festival de lembranças coloridas explodiu-lhe sorrateiro na mente. 
   Viu-se nascendo cercado de cuidados dispensados pela mãe que se orgulhava de ter concebido rebento forte e saudável. Por instantes, confundiu o início de sua vida com a tênue luz menina gerada pela chama da vela.
   Há tempos que um sorriso não brincava em seu rosto. Recordações sucessivas da infância distante, muito distante, o faziam feliz.
    A chama aumentou a luminosidade da pequena sala. A vela, entretanto, derramou sua primeira lágrima exatamente no momento que, em seus pensamentos, recrudesceu a imagem por tantos anos escondida: a perda de um irmão bem pequeno no dia de seu aniversário.
      Cada momento desse dia foi revivido... Os gritos de sua mãe desesperada... os muitos abraços recebidos por ela que não lhe diminuíram a dor.
     O velho, com pequeno esforço balançou a cadeira. Reclinando as costas para trás em busca de conforto, afastou da memória todas as lembranças. Cochilou.
Algum tempo se passou. Despertando, instintivamente fixou os olhos na vela. Estava menor, porém a chama havia aumentado. A limpidez aumentara no ambiente.
Não se preocupou com o tamanho, mas sim com a brisa que continuava soprando fazendo com que a chama tombasse sobre a cera quase que se apagando.
Ficava intrigado porque quando a vela ardia aumentando a luminosidade da sala lembrava-se de coisas alegres. Ao contrário, recordações como açoites lhe feriam a alma.
Continuou ali sentado por várias horas comtemplando, meditando e comparando as passagens de sua vida à chama autoritária e oscilante que determinava o teor de suas recordações.
A chama assumiu brilho intenso quando se lembrou da mulher linda e que sorria livre em uma janela. Essa jovem lhe deu as maiores alegrias de toda sua vida. Tornou-se companheira, amiga, esposa, amante, e finalmente uma só com ele. Gerou as melhores sementes que uma árvore pode dar.
O brilho maior, entretanto, apresentou-se quando conheceu a verdade sobre as coisas de Deus. Fulgor intenso, inigualável se deu quando aceitou Jesus em seu coração.
A vela gradativamente diminuía de tamanho. A luz permanecia constante apesar de recordar-se de algumas tribulações.
A brisa que se insinuava no início leve, tornou-se mais forte a ponto de abrir totalmente a janela.
Adormecido, não se deu conta da noite passando indiferente às suas lembranças.
O mesmo sol indolente que deu lugar à noite que já findava, ainda não estava presente quando alguém foi despertar o velho.
Sobre a mesa, uma vela derretida e fria. Na cadeira de balanço, parada, o corpo de um velho feliz com um leve sorriso no rosto. Talvez tenha sido a visão da face de Jesus vindo buscá-lo quando a chama se apagou.
A sala nunca esteve tão iluminada.
Pr. Ajorge

domingo, 13 de janeiro de 2013

A pesca milagrosa



Amanhecia. Ainda cheio de curiosidade pelo novo dia, o sol levantava-se vagarosamente. Com raios ainda criança, alegrou-se aquecendo Jesus que caminhava arrastando, em volta de si, grande multidão. Todos queriam estar o mais perto possível dele.
        Com os pés parcialmente mergulhados nas águas do Mar, seguia em frente como não se importasse com nada à sua volta. Apenas andava com olhar determinado, procurando divisar, ao longe, alguns pescadores que trabalhavam na praia.
        A imagem que procurava alcançar estava agora bem nítida diante de seus olhos. Dois barcos puxados sobre a areia repousavam inertes. Os pescadores, após uma noite inteira de trabalho estéril, lavavam cuidadosamente as redes molhadas, maltratadas pelo lixo que lhes substituía o peixe.
       Aproximou-se de um deles. Não sorria, mas sua face transmitia paz, a paz que emana de um amor ágape.
Sem dizer uma só palavra, mas atendendo ao pedido de Jesus, Simão, o pescador abordado, arrastou seu barco ao mar e afastou-o, lentamente, um pouco da praia.
         Sentado na popa da embarcação Jesus começou a ensinar de forma compassada, com indiscutível autoridade sobre o reino de Deus. Não foi um discurso longo. Não exibiu um palavreado para doutos. Usou como palavras sementes de amor, de um amor verdadeiro, sólido, imaculado...
         Eu estava lá. Ouvi cada palavra que foi dita. Transbordou-me o coração, a alma, meu ser por inteiro. Queria que aquele momento nunca houvesse acabado.
     Quando voltou à praia, tudo se fez novo. Meu coração, em brasa ardente superaquecida, queria mais. Queria eu me debruçar aos seus pés e dizer-lhe que já o reconhecia como Senhor, como Messias, como o próprio Filho de Deus. Que acreditava ser Ele o salvador da humanidade.
       Vi quando se dirigiu a Simão. Pude ouvir quando o mandou voltar a pescar... Jogar as redes ao largo... Foi num impulso, que lhe era peculiar, que o pescador revidou àquelas palavras, não mais com dúvidas, e sim justificando as suas habilidades de pescador:
     –– Senhor, somos profissionais, trabalhamos por toda a noite, não somos amadores da pesca, é com esse ofício que sustentamos nossas famílias, se não pegamos nada é porque não havia peixes ali, a maré nos era propícia, mas o fracasso, por vezes, acontece. Porém, depois de ouvir teus ensinamentos e acreditar neles, pois sei que são verdadeiros, amparado pela tua palavra, lançarei novamente as redes.
         O barco de Simão voltou ao mar. A multidão cochichava entre si. Mesmo depois dos princípios recebidos, alguns ainda duvidavam da sua autoridade, do resultado de tal pescaria. Muitos queriam “ver para crer”.
       Não foi preciso o barco se afastar muito. A rede foi lançada obedecendo à Palavra de Jesus. Ainda guardo nos ouvidos os gritos de Simão pedindo ajuda. Tantos eram os peixes que as redes ameaçavam romper-se. A iminência de naufragar fez com que pedisse ajuda ao outro barco que ficara em terra. Então, amedrontados, cansados, ambos sobejando peixes, retornaram à praia.
Simão dirigiu-se a Jesus. Caiu de joelhos a seus pés. Com o rosto no chão, procurando livrar-se da areia que lhe grudava até mesmo na boca, abriu o coração:
         –– Senhor... Sou pecador... Sou homem que não tem a vida tão íntegra como desejava... São inúmeras falhas que carrego e das quais me envergonho... Não sou digno de andar ao teu lado... Retira-te de mim... Como poderia eu servir-te?
      Tiago e João, filhos de Zebedeu, sócios de Simão, ali presentes, estavam extasiados. Nunca haviam visto aquele companheiro, intempestivo, viril, às vezes até arrogante, humilhar-se aos pés de alguém. Surpresa maior tiveram quando Jesus lhe disse: “Não temas; doravante serás pescador de homens”.
         Fiquei parado ali por mais uns instantes. O vento frio que me soprava no rosto, umedecido por algumas gotas d’água que o mar espargia, forçou-me a uma reflexão sobre aquele amanhecer.
         Compreendi muitas coisas naquele momento. Porque Jesus só falou à multidão depois de caminhar muito na praia? Agora estava bem claro. O Reino de Deus é para todos que ouvem a sua Palavra. Ele precisava alcançar aqueles pescadores. Ninguém pode ficar de fora.
         No meu coração veio a certeza de que quando alguém age de acordo com a Palavra de Deus, as bênçãos, como os peixes, são tantas que somos obrigados a chamar alguém para repartir.
         Aprendi, ainda ali ao lado de Jesus, que quando lançamos as redes de nossas esperanças no mar da vida, sem orientação divina, tudo o que nos resta é levar o lixo que inevitavelmente apanharemos até a praia do desespero, da tristeza, da decepção...
         Sei que sou pecador... Sei que tenho falhas como Simão... Mas sei também que Jesus está vindo ao meu encontro... Serei pescador de almas.

Texto do livro “EU ESTAVA LÁ” do Pr. Antonio Jorge.
Pela fé podemos nos transportar até Jesus.

domingo, 6 de janeiro de 2013

O olhar de Jesus



A multidão gritava enfurecida. O sol queimava o chão sem piedade. Aos tropeços, cambaleante, um homem trocava os passos com dificuldade, levando sobre si um madeiro. Ele carregava o instrumento de seu suplício.
       Em silêncio, ouvia os gritos de chacota e zombaria. Em silêncio, continuava pelo caminho que o levaria à extrema dor.
       Apesar de desfigurado por socos, de ter suas carnes rasgadas pelo chicote voraz de seus algozes cruéis, o seu semblante transmitia serenidade, transmitia amor. Não o amor dos homens, mas o amor que vem de Deus.
       Ele não reclamava. Não tentava fugir do martírio injusto que lhe estavam impondo. Vez por outra olhava para a multidão que o seguia como que buscasse algo ou mais precisamente alguém.
       Tropeçando no chão acidentado, seguia em frente, sempre em frente, embora seus músculos quase já não respondessem à sua vontade.
       Que será que aquele homem procurava na multidão que o torturava e o seguia com galhofa? Que será que buscava naquele povo que o havia trocado por um bandido chamado Barrabás? Será que ele queria encontrar naquela multidão algo que o deixasse pelo menos um pouco reconfortado, mesmo sabendo que apesar de ter sido considerado inocente, a sua morte foi exigida no tribunal de Pilatos?
     Será que procurava alguns daqueles leprosos que havia curado há poucos dias? Será que estaria ali, pelo menos aquele que, eufórico, lembrou-se de agradecer a cura?
     O que aquele homem buscava naquela multidão, já que insistia em olhar para ela sempre que sua vista, ocasionalmente, ficava menos turva pelo sangue que lhe escorria pela face, descendo de sua cabeça coroada por espinhos?
       A verdade é que ele estava buscando alguma coisa, alguém, talvez...
       Ele já havia divisado sua própria mãe entre algumas mulheres que choravam, mas persistia na busca de alguém...
      O sol ficava mais ardente, o caminhar mais difícil, e, pela terceira vez, seus joelhos não suportaram o peso da cruz. Seus algozes, temendo que a fadiga daquele homem lhes roubasse a satisfação satânica de vê-lo pendurado na cruz, obrigaram Simão, um cireneu, a ajudá-lo a erguer-se.
       Mais uma vez seus olhos buscaram a multidão, porém seu olhar foi mais longe. Será que reconheceu distante dali, o homem que lhe havia jurado fidelidade, o mesmo que, na noite anterior o havia negado por três vezes? Nessa noite, quando o seu olhar encontrou aquele olhar, alegrou-se e teve mais forças para aceitar aquele julgamento. Pedro sentiu nos olhos daquele homem a verdade de sua vida. Sentiu naquele momento, por aquele olhar, que dali para frente, o pacto de lhe ser fiel e de servi-Lo, seria cumprido. Pedro, daquele instante em diante, realmente punha à disposição de Deus a sua vida inteira. Nesse momento, o amor que Jesus tinha pelo homem que criara, salvou mais uma vida.
     Ainda hoje, Jesus Cristo, o filho de Deus, olha a multidão dos homens e, mais ao longe, busca alguém. Ele continua tentando resgatar aqueles que criou com tanto amor. Estás olhando de longe para Ele? Será que em algum momento de tua vida, tu também não fizeste um pacto com esse Deus que carregou a nossa cruz? Não serás tu o “Pedro” que Ele está buscando hoje?
      Lucas, o “Médico Amado”, nos relata em seu evangelho que, após aquele olhar de Jesus, Pedro se retirou dali e “chorou amargamente”. Com certeza reconheceu em Jesus, filho de Deus, aquele que veio trazer a salvação para este mundo de pessoas que, assim como ele, o haviam negado.
      Pedro reconheceu seu grande erro e o corrigiu a tempo. Qual é o teu erro, irmão?
     Após aquele olhar, Pedro arrependeu-se e chorou, mas Jesus continuou carregando a cruz até o calvário e, do alto do madeiro, pôde olhar mais longe ainda, para um maior número de pessoas e oferecer-lhes o olhar que nunca foi só de Pedro.
Pr. Antonio Jorge