Estacionei
o carro. Entrei apressadamente no hospital. A quantidade de pessoas que se
amontoava pelo corredor que conduzia ao bloco cirúrgico, preconizava como seria
o meu trabalho.
Aquelas
crianças, algumas com braços imobilizados por ataduras improvisadas, outras com
curativos quase desfeitos, outras ainda demonstrando suas insatisfações através
de um choro cadenciado, melancólico e insistente, aguardavam atendimento
médico, porém no rosto de cada uma delas, transluzia a tristeza de estar em um
lugar onde, com certeza, depois de uma longa espera, haviam enfrentado a
grosseria, a falta de amor e principalmente a indiferença de muitos.
Entrei
na sala de cirurgia após cumprir o ritual de vestir roupas adequadas que
incluem gorro e máscara, incômodos, porém necessários.
O
cirurgião aproximou-se, deu-me um abraço, e, em tom de brincadeira, falou:
–
Acho bom providenciarmos o almoço e provavelmente o jantar, pois a “casa está
cheia”!
O sorriso
que fugiu-me do rosto foi compartilhado pela equipe cirúrgica. A enfermeira
apressou-se em chamar o primeiro paciente a ser operado. Iniciamos o trabalho.
Eram quase dez horas da manhã.
Já
próximo ao meio dia, os pequenos pacientes que entravam no bloco estavam mais
inquietos, não só pelo estresse em saber que seriam operados, como também pelo
jejum cada vez mais prolongado.
Um
choro forte, num repente, interrompe o silêncio. Um garoto de dez anos entra na
sala de cirurgia tentando fugir da maca que o conduzia. Com os olhos vermelhos,
face molhada por lágrimas abundantes, tentava chutar a enfermeira que o
segurava. Os gritos e o desespero daquele menino, traduziam a insegurança que
transbordavam-lhe na mente.
Nenhuma
palavra dita foi suficiente para convencê-lo de que estávamos ali para ajudá-lo
e que, apenas uma cirurgia, evitaria que seu braço ficasse aleijado. Foi com
dificuldade que iniciamos a anestesia.
Após
o procedimento cirúrgico, o menino foi mandado para enfermaria. Já passava das
duas horas da tarde, e após um gole de café, pedimos para trazer o próximo
paciente.
A
maca é reconduzida à sala de cirurgia. Desta vez, carrega um menino também de
dez anos, e por coincidência para o mesmo tratamento cirúrgico. A diferença é
que ele não está chorando. Sua tranquilidade chama a atenção de todos. Ele
observa o foco central o qual fornece luz suficiente para iluminar o campo
operatório, o soro pendurado no suporte, os aparelhos de anestesia e,
disfarçadamente, puxa para sobre si a ponta do camisão que o deixava
parcialmente descoberto. Com um sorriso, perguntou-me:
– É o senhor que vai me
operar?
– Não, meu filho –,
respondi– farei sua anestesia. Não tenha medo... você não vai sentir dor...
Quando puncionei-lhe uma
veia, apenas franziu a testa e fechou os olhos. Um anestésico foi ministrado
para tirar-lhe a consciência. Outro, próximo ao pescoço, deixou-lhe insensível
o braço.
Após uns quarenta minutos de cirurgia, o menino começou a
recobrar a consciência. Abriu os olhos negros procurando reconhecer o ambiente,
e tentando orientar-se murmurou:
– Já fui operado doutor?
Onde estou?
Embora estivesse
semiconsciente, não sentia dor por estar ainda sendo operado. O “bloqueio
anestésico” feito próximo ao seu pescoço deixava-lhe o braço insensível.
Quando me preparava mais uma vez para tirar-lhe a
consciência, o menino começou a orar em voz alta:
– Jesus, abençoa todos os
médicos do hospital. Eu quero ficar bom do meu braço. Ajuda todo mundo porque
Tu és bom. Abençoa os médicos...
A pureza daquela oração balbuciada
entre a lucidez e a inconsciência, revelou a abundância de Jesus naquele
pequeno coração. A alegria que senti, e a paz que transbordou naquele momento,
expulsaram de meus olhos a lágrima que tentei conter.
Faltou-me coragem para
silenciá-lo quando, após orar, iniciou o canto de uma música evangélica muito
conhecida: “Quero que valorize o que você tem...” Ficamos cantando juntos até
que terminou a cirurgia.
Quando aquela maca atravessou de volta a porta
daquela sala de cirurgia, levando aquele menino humilde, magro e de braços
finos, pensei no outro que o antecedeu. A diferença entre eles é que o primeiro
não foi ensinado a confiar em Deus nos momentos difíceis.Pr. AJorge