terça-feira, 22 de janeiro de 2013

A Vela


   Um velho homem levantou-se com dificuldades da cadeira de embalo repousada no canto de uma sala escura. Cambaleante, andou até um armário empoeirado, de portas altas, retirou dele uma vela de cera que guardara há tempos, e dirigiu-se com passos cautelosos e curtos, arrastando a inseparável sandália branca de couro desgastada, até a mesa solitária que lhe fazia companhia.
   O clarão de um fósforo riscado depois de algumas tentativas iluminou momentaneamente o ambiente. Acendeu a vela, prendeu-a cuidadosamente a um velho pires de bordos desgastados depois de lhe aquecer a base. O caminho de volta ao assento não foi tão penoso.
      Um pouco da luz tardia de um sol preguiçoso que se recolhia atravessava a janela entreaberta atrás da cadeira de balanço, irmanada com a brisa quente da tarde que se diluía com o início da noite.
  Sentado, o ancião fixou os olhos sempre protegidos pelos óculos, invariavelmente engordurados, na chama da vela que acendera há pouco.
     Reparou demoradamente naquela pequena luz que lutava por se estabelecer. Um festival de lembranças coloridas explodiu-lhe sorrateiro na mente. 
   Viu-se nascendo cercado de cuidados dispensados pela mãe que se orgulhava de ter concebido rebento forte e saudável. Por instantes, confundiu o início de sua vida com a tênue luz menina gerada pela chama da vela.
   Há tempos que um sorriso não brincava em seu rosto. Recordações sucessivas da infância distante, muito distante, o faziam feliz.
    A chama aumentou a luminosidade da pequena sala. A vela, entretanto, derramou sua primeira lágrima exatamente no momento que, em seus pensamentos, recrudesceu a imagem por tantos anos escondida: a perda de um irmão bem pequeno no dia de seu aniversário.
      Cada momento desse dia foi revivido... Os gritos de sua mãe desesperada... os muitos abraços recebidos por ela que não lhe diminuíram a dor.
     O velho, com pequeno esforço balançou a cadeira. Reclinando as costas para trás em busca de conforto, afastou da memória todas as lembranças. Cochilou.
Algum tempo se passou. Despertando, instintivamente fixou os olhos na vela. Estava menor, porém a chama havia aumentado. A limpidez aumentara no ambiente.
Não se preocupou com o tamanho, mas sim com a brisa que continuava soprando fazendo com que a chama tombasse sobre a cera quase que se apagando.
Ficava intrigado porque quando a vela ardia aumentando a luminosidade da sala lembrava-se de coisas alegres. Ao contrário, recordações como açoites lhe feriam a alma.
Continuou ali sentado por várias horas comtemplando, meditando e comparando as passagens de sua vida à chama autoritária e oscilante que determinava o teor de suas recordações.
A chama assumiu brilho intenso quando se lembrou da mulher linda e que sorria livre em uma janela. Essa jovem lhe deu as maiores alegrias de toda sua vida. Tornou-se companheira, amiga, esposa, amante, e finalmente uma só com ele. Gerou as melhores sementes que uma árvore pode dar.
O brilho maior, entretanto, apresentou-se quando conheceu a verdade sobre as coisas de Deus. Fulgor intenso, inigualável se deu quando aceitou Jesus em seu coração.
A vela gradativamente diminuía de tamanho. A luz permanecia constante apesar de recordar-se de algumas tribulações.
A brisa que se insinuava no início leve, tornou-se mais forte a ponto de abrir totalmente a janela.
Adormecido, não se deu conta da noite passando indiferente às suas lembranças.
O mesmo sol indolente que deu lugar à noite que já findava, ainda não estava presente quando alguém foi despertar o velho.
Sobre a mesa, uma vela derretida e fria. Na cadeira de balanço, parada, o corpo de um velho feliz com um leve sorriso no rosto. Talvez tenha sido a visão da face de Jesus vindo buscá-lo quando a chama se apagou.
A sala nunca esteve tão iluminada.
Pr. Ajorge

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