A multidão gritava enfurecida. O sol queimava o chão sem
piedade. Aos tropeços, cambaleante, um homem trocava os passos com dificuldade,
levando sobre si um madeiro. Ele carregava o instrumento de seu suplício.
Em silêncio, ouvia os gritos de chacota
e zombaria. Em silêncio, continuava pelo caminho que o levaria à extrema dor.
Apesar de desfigurado por socos, de ter
suas carnes rasgadas pelo chicote voraz de seus algozes cruéis, o seu semblante
transmitia serenidade, transmitia amor. Não o amor dos homens, mas o amor que
vem de Deus.
Ele não reclamava. Não tentava fugir do
martírio injusto que lhe estavam impondo. Vez por outra olhava para a multidão
que o seguia como que buscasse algo ou mais precisamente alguém.
Tropeçando no chão acidentado, seguia
em frente, sempre em frente, embora seus músculos quase já não respondessem à
sua vontade.
Que será que aquele homem procurava na
multidão que o torturava e o seguia com galhofa? Que será que buscava naquele
povo que o havia trocado por um bandido chamado Barrabás? Será que ele queria
encontrar naquela multidão algo que o deixasse pelo menos um pouco
reconfortado, mesmo sabendo que apesar de ter sido considerado inocente, a sua
morte foi exigida no tribunal de Pilatos?
Será que procurava alguns daqueles
leprosos que havia curado há poucos dias? Será que estaria ali, pelo menos
aquele que, eufórico, lembrou-se de agradecer a cura?
O que aquele homem buscava naquela
multidão, já que insistia em olhar para ela sempre que sua vista, ocasionalmente,
ficava menos turva pelo sangue que lhe escorria pela face, descendo de sua
cabeça coroada por espinhos?
A verdade é que ele estava buscando
alguma coisa, alguém, talvez...
Ele já havia divisado sua própria mãe entre algumas mulheres
que choravam, mas persistia na busca de alguém...
O sol ficava mais ardente, o caminhar
mais difícil, e, pela terceira vez, seus joelhos não suportaram o peso da cruz.
Seus algozes, temendo que a fadiga daquele homem lhes roubasse a satisfação
satânica de vê-lo pendurado na cruz, obrigaram Simão, um cireneu, a ajudá-lo a
erguer-se.
Mais uma vez seus olhos buscaram a multidão, porém seu olhar
foi mais longe. Será que reconheceu distante dali, o homem que lhe havia jurado
fidelidade, o mesmo que, na noite anterior o havia negado por três vezes? Nessa
noite, quando o seu olhar encontrou aquele olhar, alegrou-se e teve mais forças
para aceitar aquele julgamento. Pedro sentiu nos olhos daquele homem a verdade
de sua vida. Sentiu naquele momento, por aquele olhar, que dali para frente, o
pacto de lhe ser fiel e de servi-Lo, seria cumprido. Pedro, daquele instante em
diante, realmente punha à disposição de Deus a sua vida inteira. Nesse momento,
o amor que Jesus tinha pelo homem que criara, salvou mais uma vida.
Ainda hoje, Jesus Cristo, o filho de
Deus, olha a multidão dos homens e, mais ao longe, busca alguém. Ele continua
tentando resgatar aqueles que criou com tanto amor. Estás olhando de longe para
Ele? Será que em algum momento de tua vida, tu também não fizeste um pacto com
esse Deus que carregou a nossa cruz? Não serás tu o “Pedro”
que Ele está buscando hoje?
Lucas, o “Médico Amado”, nos relata
em seu evangelho que, após aquele olhar de Jesus, Pedro se retirou dali e “chorou
amargamente”. Com certeza reconheceu em Jesus, filho de Deus, aquele
que veio trazer a salvação para este mundo de pessoas que, assim como ele, o
haviam negado.
Pedro reconheceu seu grande erro e o
corrigiu a tempo. Qual é o teu erro, irmão?
Após aquele olhar, Pedro arrependeu-se
e chorou, mas Jesus continuou carregando a cruz até o calvário e, do alto do
madeiro, pôde olhar mais longe ainda, para um maior número de pessoas e
oferecer-lhes o olhar que nunca foi só de Pedro.
Pr.
Antonio Jorge
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